![]() Monólogo do Natal Eu não gosto de você, Papai Noel! Também não gosto desse seu papel de vender ilusões à burguesia. Se os garotos humildes da cidade soubessem do seu ódio à humildade, jogavam pedra nessa fantasia. Você talvez nem se recorde mais. Cresci depressa, me tornei rapaz, sem esquecer, no entanto, o que passou. Fiz-lhe um bilhete, pedindo um presente e a noite inteira eu esperei, contente. Chegou o sol e você não chegou. Dias depois, meu pobre pai, cansado, trouxe um trenzinho feio, empoeirado, que me entregou com certa excitação. Fechou os olhos e balbuciou: “É pra você, Papai Noel mandou”. E se esquivou, contendo a emoção. Alegre e inocente nesse caso, eu pensei que meu bilhete com atraso, chegara às suas mãos, no fim do mês. Limpei o trem, dei corda, ele partiu dando muitas voltas, meu pai me sorriu e me abraçou pela última vez. O resto eu só pude compreender quando cresci e comecei a ver todas as coisas com realidade. Meu pai chegou um dia e disse, a seco: “Onde é que está aquele seu brinquedo? Eu vou trocar por outro, na cidade”. Dei-lhe o trenzinho, quase a soluçar e como quem não quer abandonar um mimo que nos deu, quem nos quer bem, disse medroso: “O senhor vai trocar ele? Eu não quero outro brinquedo, eu quero aquele. E por favor, não vá levar meu trem”. Meu pai calou-se e pelo rosto veio descendo um pranto que, eu ainda creio, tanto e tão santo, só Jesus chorou! Bateu a porta com muito ruído, mamãe gritou ele não deu ouvidos, saiu correndo e nunca mais voltou. Você, Papai Noel, me transformou num homem que a infância arruinou, sem pai e sem brinquedos. Afinal, dos seus presentes, não há um que sobre para a riqueza do menino pobre que sonha o ano inteiro com o Natal. Meu pobre pai doente, mal vestido, para não me ver assim desiludido, comprou por qualquer preço uma ilusão, e num gesto nobre, humano e decisivo, foi longe pra trazer-me um lenitivo, roubando o trem do filho do patrão. Pensei que viajara, no entanto depois de grande, minha mãe, em prantos, contou-me que fôra preso e como réu, ninguém a absolvê-lo se atrevia. Foi definhando, até que Deus, um dia, entrou na cela e o libertou pro céu. ALDEMAR PAIVA
Enviado por Ráuzi de Carvalho Pereira em 26/12/2012
Alterado em 26/09/2015 Comentários
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